quarta-feira, 23 de maio de 2012

Chá para Dois

Gritava, gritava a ponto de minha garganta falhar a melodia desafinada. Ria, ria incessantemente de minhas inaceitáveis verdades. Minhas mãos se contorciam, me matavam por parar a violência prestes de sair das próprias. Me curvo até a palma se estender no chão, meus pés estão se aguentando nas pontas, e as minhas pernas que nunca foram poupadas de olhares, enrijecidas. Minha cabeça sonhava um salto, mas se fixava cada vez mais na melhor metáfora para a realidade. Eu não sabia evitar o sonho do salto, nem que me espatifasse no chão, e que pudesse durar qualquer Etta James. Sempre fui a música, espalhada no ar, correndo aos ouvidos de quem presta ou não atenção, até que alguém me tocasse. No mesmo momento uma mão macia passara por meu ombro lentamente, foi aí que realmente cessei a gritaria. Se derramava por meu pescoço, e descia através de meu peito, em busca de meus seios que sabiam que seriam tocados, e por isso, meus olhos se viraram a eles para finalmente ver como era aquela mão. Era uma mão delicada demais, apesar da suavidez não esperei por tal aparência, e me virei como uma bailarina curvada para olhar nos olhos de quem me fazia querer levantar. Era um homem, mas só poderia ser um homem tão feminino para tamanha imediata compreensão do que eu necessitava. Me olhava fixamente, mas não como aqueles outros olhos ao redor, assustados. Me fitava como se pudesse prever minha naturalidade ao beijá-lo. Meus lábios tortos o tocaram alguns segundos antes de cair. Ouvi gritos, mas não me importava, os meus foram ouvidos, e eu só queria que ele caísse ao meu lado. Sua pequena mão me buscava de novo, para me levantar, como se o que eu precisasse fosse voltar ao mundo, eu o olhava novamente no meio deles. Mas nada pode estar mais vivo do que o chão, aquele que nos une, aquele que nos prende, que nos cansa, que nos oportuniza a dança, que nos come enfim, e eu em silêncio implorava pela sua femininidade, e ele em silêncio implorava que buscassemos privacidade. Meus ouvidos se encheram de lembrança, e eu cantarolava Jill Scott. Agarrei sua mão, e minhas mãos enquanto todas as veias possíveis transpareciam, esperavam por ajuda. Meu corpo todo se alinhava, para que nós dois unissemos nossos corpos loucos para se despir, no mais forte dos atos de sedução, a dança. Nos avisaram, interrompendo a música, que o disco em momento tão embaraçoso e talvez triste como o de meu desespero, minha alucinação de liberdade, havia sido por alguém que se achava caridoso, parado no ar. Ninguém mais ouvia que o som do vento que batia na janela, que nossos passos, meu salto, a respiração e o bater do coração dos pobres e diferentes reatores, faziam a música da vida. Fomos afinal aplaudidos, como se resolvessem um emocionante fim de filme, que seria melhor acreditar num teatro do que na loucura de uma mulher. Foi então que acordei, me curvei com leveza, dobrando meu braço direito à frente de minha cintura, levantando meus cílios ao topo para olhar o público careta. Ele levantou sua mãozinha pela atenção do garçom e no novo café da cidade, pediu: chá para dois, por favor.

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