sábado, 21 de agosto de 2010

Socorro!


Não estou sentindo nada
Nem medo, nem calor, nem fogo
Não vai dar mais pra chorar
Nem pra rir...

Socorro!
Alguma alma mesmo que penada
Me empreste suas penas
Já não sinto amor, nem dor
Já não sinto nada...

Socorro!
Alguém me dê um coração
Que esse já não bate nem apanha
Por favor!
Uma emoção pequena, qualquer coisa!
Qualquer coisa que se sinta...
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva
Qualquer coisa que se sinta
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva...

Socorro!
Alguma rua que me dê sentido
Em qualquer cruzamento
Acostamento, encruzilhada
Socorro! Eu já não sinto nada...

Socorro!
Não estou sentindo nada [nada]
Nem medo, nem calor, nem fogo
Nem vontade de chorar
Nem de rir...

Socorro!
Alguma alma mesmo que penada
Me empreste suas penas
Eu Já não sinto amor, nem dor
Já não sinto nada...

Socorro!
Alguém me dê um coração
Que esse já não bate
Nem apanha
Por favor!
Uma emoção pequena qualquer coisa!
Qualquer coisa que se sinta...
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva
Qualquer coisa que se sinta
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva...


Arnaldo Antunes/Alice Ruiz

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Pixin

Tu és, divina e graciosa estátua majestosa do amor.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Dialogo

Tinha nas mãos um Kafka. Seus dedos longos escondiam apenas o título enquanto segurava o livro. Corriam entre as palavras os olhos escuros, ela não parecia pretender notar minha presença. Já os meus cravaram em cima dela, tanto que não vi passar o ônibus que almejei o dia inteiro encontrar assim que eu saísse do trabalho. Só pude desejar isso, enquanto tudo o que me rodeava era o contrário do que sonhei mas naquele momento esqueci os passos errados que tomei na vida e me senti o cara mais sortudo possível. Ela era linda.

Coloquei os fones de ouvido, Carinhoso não poderia estar mais alto. Ela olhou pra mim com um bico de mulher chata. "Pelo menos ela me notou" concluí rapidamente. Estive errado, foi aí que ela começou a falar incessantemente, parece que Pixinguinha a conquistou. Nunca pensei que meu modo de me separar um tanto do mundo, me daria a oportunidade de conquistar um novo. Deixei caído o fone sobre meus ombros e fiz o que pude, joguei qualquer futuro em suas mãos, se ela dissesse não, tudo continuaria passado para sempre.

Disse que gostaria de encontrá-la novamente em breve, tirou um lápis de sua pasta, me entregou o livro e o lápis e disse "anota aí seu número e nome." Logo percebi que havia esquecido de notar qual das obras de Kafka ela lia, fiquei com medo de perguntar e depois eu nunca ter lido aquele bendito "Metamorfose" e ficar sem assunto de novo.

O ônibus dela chegou tão rápido que pensei em milhões de faltas que cometi em meio segundo e pulei pra dentro dele junto com ela. Eu precisava de um porquê. Lembro-me de ter dito que esperava pelo Morumbi. Pegamos o Universitária. Ela me contou da última vez que esteve em Buenos Aires e pegava mêtros o tempo todo. Contou das Mafaldas gigantes nas paredes imundas que tirou fotos e dos livros em espanhol que gastou dinheiro atoa, nunca os leu. Todo espanhol que sabia havia aprendido naquela semana de inverno. Lembrou da vergonha que passou no dia que escolheu um Marquês de Sade. Não por pretender sair de lá acompanhada de um livro do cara que originou a palavra sádico mas sim porque seu dinheiro era falso. Explicou ao funcionário que era brasileira e que havia trocado dinheiro numa casa de câmbio em Puerto Iguaçu. Logo depois de atravessar a Aduana argentina. O funcionário foi compreensivo e a explicou como se pareciam as notas falsas.

Ela tinha saboneteiras como achava necessário Vinicius de Moraes. Olheiras de ressaca como as de Capitu mas parecia um anjo de cabelos negros e enrolados. A pele dourada e seios quase inexistentes. E o nome dela só poderia ser de mestre, Clarice. Igual ao da mulher mais plausível que já li do mundo da literatura. Quando levantou puxar o cordão avisando que desceria me chamou para descer com ela e tomar uma cerveja no bar da frente da faculdade.

Depois de brindar por milhares de desculpas estúpidas, Clarice estava bêbada, rindo e me falando sobre caras de camisa xadrez e cabelo repicado. Enquanto eu desajeitadamente passava a mão sobre meu cabelo penteado e olhava incontroladamente para meus sapatos terra cota, me sentindo verdadeiramente velho pela primeira vez. Pensei no Haiti, na mulher grávida de O Cobrador, e ainda me sentia o pior dos injustiçados. Extremamente egocentrista, me desconcentrei dela e comecei a sentir dó de mim. Tudo o que eu queria era ouvir Rain Drops de B.J. Thomas. Foi o que fiz, lhe entreguei um lado do fone e coloquei o outro em mim. Mais alto, não quero ouvir meus pensamentos, quero pensar assim.

Alugamos um apartamento no centro da cidade. Um micro-ondas, duas poltronas, sei lá quantos livros, um fogão de uma boca e um pôster de Sobre Cafés e Cigarros. Além de duas caixinhas de som e o meu MP3 e pilhas de roupas. Tenho pavor desse filme e consegui convencê-la de que não merecia nossa parede. Ela colou na porta do vizinho e voltou com o livro ainda nas mãos. Continuou sem falar nada, fiz café. Li Peanuts enquanto Clarice terminava a auto-biografia da Billie Holiday que eu nunca me interessei. Não sou de biografias, mesmo a de Billie.

Desaprendi a viver sozinho apesar de que nem eu e nem ela estivessemos presentes no mesmo lugar por muito tempo. Conversavamos pouco. Dormiamos agarrados a livros. Apenas brincavamos de opiniões opostas. Não tinhamos dinheiro, eu lia o que havia chego com ela e vice-versa.

Foi horrível o olhar indiferente que me lançou quando eu pedia perdão pela primeira traição. A partir de então não consegui parar e pegava livros interessantíssimos emprestados de minhas amantes que a vi procurar escondida, afim de lê-los quase no escuro.

Li todos os livros de Kerouac sem notícias de sentimentos dela. Mas foi On The Road, o único que detestei, que a fez ir embora. O bilhete dizia: "Viajei mundos ao seu lado, a única coisa que mudou em mim foi a visão. Por me esconder de ti e ler no escuro, meu mundo ficou coberto por vidro. Eu fugi, fuja também. Se resolver que não, te deixei de presente nossa biblioteca. Só vou levar Saramago, impossível evitar. Boa sorte."

On The Road estava jogado dentro da privada. Lorenna nunca o recebeu de volta e Clarice mentiu. Havia levado todos da Lispector também. Finalmente tinha dado o braço a torcer. Desde então não li sequer um livro. Comprei um tênis colorido, fui morar na Bahia e passei a escrever sobre as mulheres que conheci pouco.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Quisesse enfraquecer

Quisesse enfraquecer
Depois de tanta for'ca juntar
Em quantas lutas s'o pra te impedir voltar
Pros meus instantes de nada o que fazer?

Tivesse ainda remota simplicidade
Deixasse pra l'a, voltasse pra c'a
Matasse, desprezasse o n~ao
E se eu pudesse alguns instantes querer?