terça-feira, 26 de agosto de 2014

Dissonância

Poderia contar nos dedos quantas pessoas conheci apreciadores da verdade. A verdade não é única, muito menos sólida, mas ela existe de alguma forma individualmente enigmática. A verdade que conheço é tão minha que quando olho para outra me exponho ao ridículo das certezas, me imponho. E a certeza é a maior mentira contada pela humanidade. A certeza faz guerra, separa amores, a certeza mata pássaros. A certeza está no cerne da impureza, da injustiça, do desassossego.

A verdade está compreendida erroneamente desde que surgiu. Eu quero ver alguém contar uma verdade universal. As verdades são particulares, únicas. A verdade universal colocou o preto na senzala, estancou a força das mulheres, exigiu um pênis e uma vagina para o amor, meteu o dedo no sentimento mais incompreendido de todos. A verdade universal criou a beleza e também criou o feio. A verdade universal é o cabresto que nos move numa única direção. A verdade universal nos resume como seres incomplexos, aparelhados, cegos, nos tranca numa prisão invisível.

O gosto juvenil pelo poder, pelo ser maior que o outro, a dominação, o prazer de olhar por cima diria eu ser tão animalesco se não visse mais pureza nos outros animais do que nos próprios seres humanos. Ao contrário de tanto papo torto, Freud quem sabe tenha sido o melhor investigador da verdade. Falo agora da verdade individual, e portanto única verdade, já que somos tão diferentes uns dos outros. Poderia agora fazer além de uma declaração de amor pela psicanalise, uma publicidade extinta da literatura. Primeiro porque a psicanalise não resumiu em cobra a traição, não fez um guia de símbolos estáticos do inconsciente, depois porque a literatura é o melhor exercício que encontrei para conhecer outras verdades sem envolver-me diretamente na trama. Mas... não é o momento para tanto.

Compreender a verdade como individual ao contrário leva-nos a capacidade de respeito para com o outro, de alguma forma a individualidade nos torna mais próximos do que distantes. Usamos das asas e voamos como bem entendermos, deixando que os outros voem como bem entendem. Afinal "narciso acha feio o que não é espelho", e enquanto narciso não se afoga, a querela se intensifica.