quinta-feira, 25 de março de 2010

T.

As besteira de Tânia eram bem mais amáveis. Além do que, ter respeito aos próprios ouvidos é sim, sempre apaixonante.

Ela me deu um tapa de cabelo na pista de dança, eu sorri tímida. Senti o sangue do arranhão na batata da perna escorrer e quando virei o vi desesperado pra que toda a multidão desaparecesse antes que o sangue secasse. E todo aquele movimento era feito como um teatro. Por ela, por ele e principalmente por mim. Nós dois em nossa casa, passavamos horas tentando chegar a um porquê nunca conseguiamos no meio do ato perguntar aquela mulher que tanto nos compreendia, o seu simples nome. A nomeamos Tânia. Ela sumiu depois de tantos encontros inesperados e de tanta ligação entre nós. Nunca mais pudemos nem lhe perguntar sequer a cor do seu esmalte. Criamos aquela mulher, a qual só havia nos doado a imagem. Tinha os ombros estreitos, cabelos negros completamente repicados e olhos que apareciam em qualquer foto extremamente vermelhos. Não tinhamos a cor dos olhos de Tânia, nossa coelha. Tanto era coelha que sabia fugir de nós com tanta leveza e medo, desaparecia na troca da música. A primeira vez que a vimos foi em um desses bares com música ao vivo e ali pra sempre foi nosso local de encontro as quintas. O resto da semana a encontravamos em casa. Nos corredores, subindo pelas paredes, plantando flores, lambendo açucar até enjoar e trocar pelo sal, cantando sempre. Repetia por semanas a mesma música, e de repente cantava umas três e escolhia entre essas qual seria a escolhida pras próximas semanas.

...

segunda-feira, 22 de março de 2010

ça commence avec toi!

Se acontecer citarei Piaf
Ah, eu juro
Já não tenho motivos pra não fazê-lo

terça-feira, 16 de março de 2010

Parece às vezes se esquecer

Não cometo pecados pra ter que me esconder nesse inferno que você reserva lugar sempre pra mim-

...que eu cansei da nossa fuga. Já não vejo motivos pra um amor de tantas rugas não ter o seu lugar.

Talvez já fosse melhor:
Tenha dó, não mereces o afago nem de Deus nem do Diabo, quanto mais da mão que um dia eu dei pra ti...


Talvez até um tanto quanto atrasado.

terça-feira, 9 de março de 2010

Trem Das Cores


A franja na encosta
Cor de laranja
Capim rosa chá
O mel desses olhos luz
Mel de cor ímpar
O ouro ainda não bem verde da serra
A prata do trem
A lua e a estrela
Anel de turquesa
Os átomos todos dançam
Madruga
Reluz neblina
Crianças cor de romã
Entram no vagão
O oliva da nuvem chumbo
Ficando
Pra trás da manhã
E a seda azul do papel
Que envolve a maçã
As casas tão verde e rosa
Que vão passando ao nos ver passar
Os dois lados da janela
E aquela num tom de azul
Quase inexistente, azul que não há
Azul que é pura memória de algum lugar
Teu cabelo preto
Explícito objeto
Castanhos lábios
Ou pra ser exato
Lábios cor de açaí
E aqui, trem das cores
Sábios projetos:
Tocar na central
E o céu de um azul
Celeste celestial

Caetano

Volta, Amor, que eu te preciso

Saudade de quando existia algo explodindo meu peito.
Saudade de como era impossível não me apaixonar.
Saudade dos meus verdadeiros amores platônicos.
Saudade dos amores concretos, agora finalizados.
Saudade de senti-los.
Saudade não de você ou dele ou daquela lá.
Saudade do amor que me fazia levantar.
Saudade da ânsia do encontro.
Saudade do vazio da despedida.
Saudade dos beijos apaixonados.
Saudade de trocar mil vezes de roupa pra conquistá-lo de novo.
Saudade de arrancar nossas vestes desesperadamente.
Saudade de chamar o único abraço que me confortaria.
Saudade de doar meu colo.
Saudade de chorar de saudades em viagens.
Saudade dos nossos planos de pra sempre se amar.
Saudade de amar.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Outubro

Ele acordou tendo certeza mais um dia que ontem foi tudo verdade. Esqueceu o sonho, sendo os pensamentos depressa inundados pelas conclusões da briga da noite passada, que tomou sozinho já em casa. Desabaram as palpebras, sentiu o sol dentro dos olhos, ardendo. Procurou esperança num copo de Coca-cola, parara de beber. Tragava o cigarro com força pra ver se estragava a garganta cansada de calar e calava só mais um dia. Depois passava a vontade berrante de gritar porque tudo nessa vida passa. As vezes devagar, quase parando. Diferente dos pensamentos que vinham grudados, um atado ao outro. Pensava como seria bom se no caminho pro trabalho de repente um carro batesse no seu. Claro que ele imaginava como fazer pra que o outro motorista fosse desprevido de culpa e pudesse continuar vivendo sua vida em paz, como todo outro ser humano menos ele vivia. Sabia que não prestaria nem pra tentar se matar, então resistia a vontade de sentir dó de seus pulsos também. Passou a vida tentando satisfazer mulheres. Sua mãe, suas mulheres, suas filhas, professoras, chefes. As imaginava vivendo sem ele, e como todo morto finalmente seria contado ao mundo, pelo menos por algumas horas depois do susto da morte, como um bom sujeito. Antes de eternamente esquecido, como seria. Será que nem assim receberia palavras de honra? Contava as calorias pra emagrecer. Precisava estar magro quando morresse. A última coisa que perdemos a esperança é nas dietas incompletas, dizia aos colegas alegres que insistiam em saber porque um semi-morto gostaria de parecer uma modelo. Ele adorava a palavra natimorto. Voltava a pensar na gordura. Ninguém triste que conhecia era gordo. Ninguém iria perceber sua tristeza se continuasse gordo, ninguém o ajudaria. Não acharia outra mulher pra tentar mais uma vez fazer feliz. Lembrava-se de sua primeira mulher dizendo que se tivesse o conhecido daquele jeito nem teria o notado, com certeza. Será que seria bom escrever sobre isso e colar na porta da geladeira com letras grandes? As pernas dela o atormentava, a lembrança do barulho dos saltos chegando, e sendo deixados no meio da sala pra que ela corresse sem dor até seu colo. Com dor seria mais gostoso, algumas vezes. Assim ela não precisaria descer do salto pra se encontrar com ele. Comia paranóias de manhã.

shit

Que falta do tesão que me dava nas palavras carinhosas que contavam eu antes de virar em nada.