quinta-feira, 4 de março de 2010

Outubro

Ele acordou tendo certeza mais um dia que ontem foi tudo verdade. Esqueceu o sonho, sendo os pensamentos depressa inundados pelas conclusões da briga da noite passada, que tomou sozinho já em casa. Desabaram as palpebras, sentiu o sol dentro dos olhos, ardendo. Procurou esperança num copo de Coca-cola, parara de beber. Tragava o cigarro com força pra ver se estragava a garganta cansada de calar e calava só mais um dia. Depois passava a vontade berrante de gritar porque tudo nessa vida passa. As vezes devagar, quase parando. Diferente dos pensamentos que vinham grudados, um atado ao outro. Pensava como seria bom se no caminho pro trabalho de repente um carro batesse no seu. Claro que ele imaginava como fazer pra que o outro motorista fosse desprevido de culpa e pudesse continuar vivendo sua vida em paz, como todo outro ser humano menos ele vivia. Sabia que não prestaria nem pra tentar se matar, então resistia a vontade de sentir dó de seus pulsos também. Passou a vida tentando satisfazer mulheres. Sua mãe, suas mulheres, suas filhas, professoras, chefes. As imaginava vivendo sem ele, e como todo morto finalmente seria contado ao mundo, pelo menos por algumas horas depois do susto da morte, como um bom sujeito. Antes de eternamente esquecido, como seria. Será que nem assim receberia palavras de honra? Contava as calorias pra emagrecer. Precisava estar magro quando morresse. A última coisa que perdemos a esperança é nas dietas incompletas, dizia aos colegas alegres que insistiam em saber porque um semi-morto gostaria de parecer uma modelo. Ele adorava a palavra natimorto. Voltava a pensar na gordura. Ninguém triste que conhecia era gordo. Ninguém iria perceber sua tristeza se continuasse gordo, ninguém o ajudaria. Não acharia outra mulher pra tentar mais uma vez fazer feliz. Lembrava-se de sua primeira mulher dizendo que se tivesse o conhecido daquele jeito nem teria o notado, com certeza. Será que seria bom escrever sobre isso e colar na porta da geladeira com letras grandes? As pernas dela o atormentava, a lembrança do barulho dos saltos chegando, e sendo deixados no meio da sala pra que ela corresse sem dor até seu colo. Com dor seria mais gostoso, algumas vezes. Assim ela não precisaria descer do salto pra se encontrar com ele. Comia paranóias de manhã.

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