quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Bukowski


"Essas palavras que escrevo me protegem da completa loucura."

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Entrevista do Estadão com o sociólogo Michael Löwy

A sociedade brasileira clama por ordem?

Não é a sociedade em seu conjunto que se volta contra os estudantes com esse discurso de ordem e repressão. É a imprensa e os representantes da ordem e do governo. Eu me pergunto se parte da população não simpatiza com esses protestos da USP. Pelo menos foi o caso em outros países onde protestos dos jovens e estudantes se tornaram a expressão de um grande movimento popular. Não estou dizendo que isso vá acontecer já no Brasil, mas não há essa dicotomia entre jovens e estudantes de um lado e o restante da sociedade do outro. Essa separação é do interesse da classe dominante, dos governantes mais reacionários, como tentativa de mobilizar a população contra os estudantes.


Para ler toda a entrevista e esclarecer suas idéias, copie e cole:
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-transbordo-do-copo-de-colera,798151,0.htm

Mais um pouquinho...

O sr. é um estudioso das revoluções dos séculos 19 e 20. Qual foi o papel dos jovens e estudantes nelas?

Depende, porque as revoluções são diferentes entre si. Em geral se pode dizer que a juventude sempre jogou um papel importante em qualquer movimento revolucionário. É uma constante. Movimentos revolucionários são levados por jovens, muitas vezes. Agora, se são estudantes ou não, isso depende da época, do país. Na Revolução Russa os estudantes não tiveram muito espaço. Na Revolução Cubana, sim. O Maio de 1968 em Paris foi um movimento totalmente estudantil. E um dos gatilhos foi a invasão da Sorbonne pela polícia. Na França, ainda hoje, a polícia entra raramente na universidade. Justamente porque se sabe que há o estatuto de autonomia das universidades e intervenções policiais provocam a reação dos estudantes. A polícia simboliza o autoritarismo do Estado contra a juventude, contra os estudantes. Esse choque com a polícia é frequente e, em certas circunstâncias, se transforma na faísca que mencionei antes, a que faz um protesto eclodir. Não podemos subestimar o papel dos estudantes nas revoluções.

domingo, 13 de novembro de 2011

No Facebook

- Se alguém te perguntasse qual foi o grande marco da época em que você viveu, daqui muitos anos, o que você acha que diria?
- Acho que falaria que vivi num mundo gay.
- Sim, vivemos a revolução do mundo bissexual.
- Sério mesmo.
- Bonito, né?
- Sim! Lindo.
- As pessoas se amando independente de sexo. E as pessoas desaprendendo e desvalorizando o amor cada dia mais.
- É contraditório.
- E não por não ter mais os mesmos valores, acho ótimo que muitos tenham mudado. Que a gente possa entender que amar não é NECESSARIAMENTE prender-se a um só ser. Mas acho triste que as pessoas não consigam entender que não faz sentido ridicularizar o amor.
- E vamos superando a influência católica, patriarcal que a gente recebe da sociedade... Que lindo isso que você disse. Vou salvar aqui.
(É, eu também).
- Vou ver um filme bom que tá passando.
- Eu também queria, mas esse cinema é uma porcaria. Ô, Foz.
- Vou ver na TV, não tô pra tombar milhões de pessoas por segundo, nem pegar filas. Ô, São Paulo.
- Ok, amanhã vemos se vamos de avião ou não.
- Sim. Me liga a hora que entrar. Beijo!
- Beijo, flor.
- Ah, se você quiser mandar pra alguém que estiver falando merda sobre o que se passa na USP, minha amiga escreveu um texto bem legal. Acho que vai gostar porque é da sua área. Vou te passar, e ela é de lá mesmo e tal.
- Tá, manda aí. A galera não entende que a mídia quase nunca sabe ser imparcial. Esses textos que me manda são ótimos pra passar. Quem dera bastante gente parasse pra ler.
-http://nostalgicasensacao.blogspot.com/2011/11/ordem-e-progresso-midia-e-aquela.html­ ­
- Valeu, benhê. Vou até adicionar no meu blog.
- Beijo, amor.
- Vem logo pra cá! Que saudade desgranha.
- Dia 12.
- IEI!
- UHUL!

A Galinha e o Homem

Porque será que Clarice gostava tanto de galinhas? Sempre foi um enigma para mim, e essa pergunta sempre volta a me atormentar, porque nunca cheguei a sequer um começo de solução para a questão. Sempre as achei extremamente sem graça. Mas hoje chego a conclusão de que quando escrevera "O que obviamente não presta, sempre me interessou muito. Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno vôo e cai sem graça no chão.", falava mais uma vez de seus dois animais preferidos, a galinha e o homem.

Num domingo chuvoso

finalmente achei um chapéu pra mim.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Quem Sabe

Se te perderes por acaso na vida,
não desespere como se o acaso
não fosse te encontrar uma saída
Entre em parafuso
apenas quando afastares o acaso
A vida não pode ser - verdadeiramente - vivida
enquanto não se deixa levar

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Palavras

O torno público novamente, depois de muito tempo, até pra ver se eu volto a me entregar ao que sempre foi costume.

O FEMINISMO DE CLARICE LISPECTOR No Conto “Devaneio e Embriaguez Duma Rapariga”

Liz Basso Antunes de Oliveira (Graduanda Letras/Unioeste/Foz)

RESUMO: A obra de Clarice Lispector é marcada por preocupações sociais e questões existenciais, quase sempre abarcadas em personagens femininas. Quando analisadas identidades de gênero deve-se estimular uma reflexão necessária a um conhecimento a respeito do contexto sócio-cultural em que tal texto fora escrito.

Cabe frisar que toda atividade de interpretação mantém profundas e complexas relações com a política, com as estruturas de poder e valor social pela qual organizamos e damos sentido à vida em sociedade, pelo simples fato de lidar com significados e valores. Se a força motriz que regula o leitor/a na apropriação do texto é o desejo de apropriar o mundo em termos que sejam para ele/a significativos, esse(a) leitor/a está desde sempre na política. Do ponto de vista da instituição da crítica literária, a interpretação também não é axiologicamente vazia de valores, na medida em que a ideologia habita os regimes disciplinares de quaisquer que sejam os procedimentos hermenêuticos que adotemos para organizar a produção de um sentido de um determinado texto. (SCHMIDT, p. 29)

Portanto, analisar pontos feministas, não deve ser considerado apenas político, mas também literário, pois o gênero tornou-se tema de análise em campos de pesquisa, incluindo os estudos literários. É o que, a seguir, no decorrer desse artigo, será utilizado como fonte de pesquisa para identificar posições de gênero no conto de Clarice Lispector, “Devaneio e Embriaguez duma Rapariga”.

PALAVRAS-CHAVE: Clarice Lispector, sócio-cultural, gênero.

No conto “Devaneio e Embriaguez duma Rapariga”, encontrado no livro “Laços de Família”, a personagem principal narra a história em forma de fluxo de consciência, fazendo crítica implícita aos preceitos morais machistas de seu tempo.
A personagem questiona-se a respeito de seus valores e sobre novos valores, que apesar do preconceito por um pensamento feminista, não se sente confortável dentro da realidade imposta sobre como deveria ser uma mulher.

O sujeito central, historicamente, sempre foi o homem, e todas as outras posições de sujeito estão de alguma forma subordinadas a ele, ou seja, a identidade desse sujeito é naturalmente assumida como referência. [...] Assim, falar em gênero ao invés de falar em sexo indica que a condição das mulheres é resultante de uma invenção, de uma engenharia social e política, e não determinada pela natureza. Portanto, os conceitos de feminilidade e masculinidade se constroem de acordo com a variação das exigências de uma determinada sociedade. (DUCK, p. 12)

A partir dessa conclusão tomada por Duck, começamos o desenrolar de argumentos presentes no conto.

Na primeira página pode-se notar uma característica imposta por uma realidade machista, quando a mulher já aparece demonstrando vaidade, “Estava a se pentear”, “Os olhos não se abandonavam”, e “Os olhos não se despregavam da imagem”, enquanto a personagem se olhava no espelho.
A personagem encontra-se perdida em seu papel de mulher dentro do contexto da sociedade em que vivera, que até então aceitava sem desobedecer, mas demonstra-se desinteressada por cumprir tal papel, principalmente nas frases “O marido apareceu-lhe já trajado e ela nem sabia o que o homem fizera para o seu pequeno almoço, e nem olhou-lhe o fato, se estava ou não por escovar, pouco se lhe importava se hoje era dia dele tratar os negócios na cidade. Mas quando ele se inclinou para beijá-la, sua leveza crepitou como folha seca: -Larga-te daí!” (p. 10 e 11).
A mulher aparece desorientada e então em seguida, o marido prefere pensar que sua esposa está doente, do que se comportando como uma mulher fora do padrão de mulher com quem deveria ter-se casado, “-Ó rapariga, estás doente. Ela aceitou surpreendida, lisonjeada.” Quando esta aceita a condição proposta pelo marido, percebe-se utilizar de uma saída mais fácil para explicar sua “desnaturalidade”.

A literatura é “um dos veículos de disseminação das crenças de uma determinada sociedade e uma das ferramentas utilizadas para conduzi-la a um ideal abraçado por sua classe dominante” (SCHWANTES, 2003, p. 393). Assim, no que diz respeito ao estabelecido dos conceitos de masculinidade e feminilidade, o papel exercido pela literatura pode ser considerado relevante. (DUCK, p. 14)

Segundo Schwantes e Duck, dentro da literatura trazer críticas aos modelos padrão estabelecidas dentro de uma sociedade é uma forma de disseminar o pensamento de que o que é feminino ou não, é natural, e não imposto por um modelo de sociedade que sempre fora dominado pelo homem. Então a literatura crítica pode abordar dentro de uma sociedade de leitores uma nova visão para o que torna desigual a situação da mulher para com o homem. Clarice Lispector faz essa releitura de mundo em muitas de suas obras, e continuamos então a analise de apenas um de seus contos.
“Estava previamente a amar o homem que um dia ela ia amar.” Aqui a personagem encontra-se insatisfeita com seu casamento, e confessa a si própria que não ama seu marido. Anteriormente na passagem “Só se levantava mesmo para ir à casa de banhos, donde voltava nobre, ofendida.”, a personagem quando sente-se ofendida, traz à tona uma angústia sobre com o que sonhava, pois sabe e aceita que dentro do contexto em que vive uma mulher não deveria estar sonhando com outro homem, se não o seu.

Logo na página seguinte ela mesma se acha estranha, pois naqueles dias não cumprira o mesmo papel que fora ensinada que seria correto cumprir, “ó mulher, vê lá se me vais mesmo adoecer!” diz a si mesma.

“...ai que até me faltei ao respeito!, dia de lavar roupa e cerzir as peúgas, ai que vagabunda que me saíste!, censurou-se curiosa e satisfeita...” Quando escolhida a palavra “curiosa”, gostaria de representar a indagação de seus novos sentimentos de inquietação e da vontade que tinha de não agir como sempre agiu, mas se sente envergonhada ao mesmo tempo, pois percebe que, mais uma vez, não cumpriu o papel que deveria.

Todo mundo concorda em que há fêmeas na espécie humana: constituem, hoje, como outrora, mais ou menos a metade da humanidade; e contudo dizem-nos que a feminilidade “corre perigo”; e exortam-nos: Sejam mulheres, permaneçam mulheres, tornem-se mulheres. Todo ser humano do sexo feminino não é, portanto, necessariamente mulher; cumpre-lhe participar dessa realidade misteriosa e ameaçada que é a feminilidade. Será esta secretada pelos ovários? (BEAVOUIR, 1970, p. 7)

O trecho aponta tanto para o caráter artificial de uma feminilidade construída socialmente quanto para os modelos desejados de mulher que vigoraram ao longo dos séculos. De acordo com Duarte (2003), nesse fragmento Beauvoir explicita a condição da mulher centrada numa perspectiva de gênero, já que os tipos aceitos de mulher e os padrões consagrados do comportamento feminino apontam para a origem masculina dos ideais de mulher. Assim o eixo fundamental da argumentação da autora é a consagrada afirmação: “Não se nasce mulher, torna-se mulher.” (DUCK, p. 11)

O ser mulher imposto pela sociedade não é o mesmo do que simplesmente nascer sendo do sexo feminino. Dentro do contexto de inúmeras sociedades o ser mulher deve agir de modo comum à todas as mulheres, maneiras comuns ao que favorecem o homem. Afinal foi esse quem criou as regras do que é e não é feminino.

“...olhava o marido metido no fato novo e achava-lhe uma tal piada!...” (p. 12) Aqui a personagem já sentindo vontade de mudar sua vida, encontrar um homem para amar, fazendo desse o negociante com quem seu marido e ela encontravam-se, começava a transferir ao marido sua angústia por não ser uma pessoa livre. Continua então com “essa gargalhada que lhe estava a sair misteriosamente duma gargalhada cheia e branca, em resposta à finura do negociante, gargalhada vinda da profundeza daquele sono, e da profundeza daquela segurança de quem tem um corpo. Sua carne alva estava doce como a de uma lagosta, as pernas duma lagosta viva a se mexer devagar no ar. E aquela vontade de se sentir mal para aprofundar a doçura em bem ruim. E aquela maldadezita de quem tem um corpo.” (p. 13) Nesta passagem procura sentir-se mal por estares fazendo algo que ela própria considerava incorreto, comparava o marido ao negociante, e em momento algum vangloriava seu marido, porém dá-se a desculpa de estar agindo de tal maneira pela embriaguez, e continua a palestrar.

A indignação começa realmente a aparecer quando inconformada enquanto olhava o quadro, lembrava-se que lhe foram tirados os sonhos a partir do momento em que teve que tornar-se a tal mulher que a sociedade a impôs. “Ninguém lhe tiraria cá das idéias que nascera mesmo para outras cousas.” (p. 14)

Nesta citação podemos descrever um dos problemas que o feminismo critica, a falta de lugar em todos os patamares da sociedade para a mulher tornar-se independente, não possibilitando-a outras formas de vida senão a de “dona-de-casa”. Duck faz referência a esse problema principalmente nessas passagens:

A legitimidade da crítica feminista adviria, sobretudo, da natureza da intervenção nos discursos hegemônicos, que impediram a mulher de ocupar um lugar de significação como sujeito da história, do saber e da produção cultural. [...] Em seu (Elaine Showalter - 1994) ensaio A crítica feminista no território selvagem, de 1981, ela afirma que o território da crítica é dominado pelo ponto de vista masculino. [...] Essa tradição patriarcal, então, marginaliza o discurso da mulher, já que esta se constitui como o outro. (DUCK, p. 16)

Quando a rapariga entra, começa a comparar-se a outra como anteriormente comparou seu marido ao negociante. Rebaixava a moça em forma de pensamento, vê em sua maneira de vestir-se um toque artístico. O qual ela também considerava possuir, mas não deixava aflorar. Os motivos que a impediram de mostrar seu lado artístico, seriam os mesmos que ela utiliza para criticar a rapariga. “As mais santazitas eram as que mais cheias estavam de patifaria.” E ainda julga sua aparência jovem justificando hipoteticamente que a rapariga não possa ter filhos. “E a santarrona toda vaidosa de seu chapéu, toda modesta de sua cinturita fina, vai ver que não era capaz de parir-lhe, ao seu homem, um filho.” Além disso, com “ao seu homem”, a mulher aparece colocando o homem em primeiro plano novamente, como se o filho não fosse também da mulher e apenas do homem, e somente para o homem o filho existiria.

Ao chegar em casa, embriagada, se sentindo maior do que se sentia cotidianamente, a protagonista sente-se inquieta. “remexia-se agora dentro da realidade familiar de seu quarto, agora sentada no bordo de sua cama com a chinela a se balançar no pé.” Há em “Estava sentada à cama, conformada, cética.” uma contradição que após a noite ter acabado, e ter-se revelado sentimentos de agonia enquanto esposa desprovida de outras saídas para uma vida com a qual sonhava, encontra-se desolada em sua realidade, ao mesmo tempo conformada e incrédula.

Giddens acredita que atualmente o eu (que inclui a sexualidade) é resultado de um projeto reflexivo, de um questionamento contínuo do passado, presente e futuro. Esse projeto é auxiliado por vários instrumentos reflexivos: terapia e manuais de auto-ajuda, programas de televisão e artigos de revistas. Entretanto, essa descrição da construção do eu levanta uma questão: até que ponto podemos realmente pensar nossas auto-identidades, e escolher entre várias opções sociais (incluindo opções sexuais), uma vez que somos tão limitados pelos discursos aos quais temos acesso? Há uma forte possibilidade de que esses instrumentos reflexivos ajudem a construir o eu de formas conservadoras e prescritivas, uma vez que se utilizam dos discursos das elites detentoras do poder, não deixando portanto muito espaço para opções realmente livres. (FIGUEIREDO, p. 150)

A mulher faz parte dessa desigualdade alienada pelos detentores de poder, os homens. Por isso, muitas vezes acredita-se e conforma-se com outras possíveis saídas, quase inexistentes em épocas passadas no qual o patriarcal era totalmente dominante. Hoje vivemos outra realidade, não pós-patriarcal, mas os valores não são os mesmos, pois as mulheres a partir do momento em que foram forçadas a trabalhar em conjunto aos homens na Revolução Industrial, percebem-se capazes de ser independentes dos homens e lutam por direitos equilibrados. Desde então a realidade do gênero vem se modificando lentamente. Partindo do ponto que o conto escolhido fora escrito na década de 60, antes da Revolução Feminista ocorrer nos Estados Unidos, a mulher no Brasil ainda estava longe de conseguir alcançar tais direitos e acreditava ser menos digna de respeito do que o homem, por isso também não o buscava, como faz a protagonista conformada.

Em qualquer parte e em qualquer época, os homens exibiram a satisfação de se sentirem os reis da criação. “Bendito seja Deus nosso Senhor de todos os mundos por não me ter feito mulher”, dizem os judeus nas suas preces matinais, enquanto suas esposas murmuram com resignação: “Bendito seja o Senhor que me criou segundo a sua vontade”. (BEAVOUIR, p. 16)

Aqui explora a questão mais utilizada pelos homens para argumentar contra a mulher sobre suas responsabilidades dentro da sociedade não serem iguais as deles, a maternidade. Inventou-se um estado de “instinto materno”, do qual se fala ainda hoje como total verdade, e que possivelmente a mulher que não coloca os filhos em primeiro plano e deixa-os seria um dos atos mais discriminados dentro da sociedade patriarcal. Na passagem “...os filhos gorditos empilhados no outro quarto a dormirem, os desgraçadinhos.” a mulher revela não ser real seu estado de instinto materno quando usa o termo “desgraçadinhos”, e logo busca justificar-se novamente por uma enfermidade inexistente utilizada algumas vezes ao longo do conto, como já foi visto, “Ai que cousa que se me dá! Pensou desesperada. Teria comido demais?”.

No que concerne à mulher, seu complexo de inferioridade assume a forma de uma recusa envergonhada da feminilidade. Não é a ausência do pênis que provoca complexo e sim o conjunto da situação; a menina não inveja o falo a não ser como símbolo dos privilégios concedidos aos meninos; o lugar que o pai ocupa na família, a preponderância universal dos machos, a educação, tudo a confirma na idéia da superioridade masculina. Mais tarde, em suas relações sexuais, a própria posição do coito, que coloca a mulher embaixo do homem é uma nova humilhação. Ela reage por meio de um “protesto viril”: ou procura masculinizar-se ou luta contra o homem com armas femininas. É pela maternidade que ela pode encontrar na criança um equivalente do pênis. Mas isso supõe que começa a aceitar-se integralmente como mulher, e, portanto, que aceita sua inferioridade. Ela é dividida contra si mesma muito mais profundamente do que o homem. (BEAVOUIR, p. 64)

A citação acima confirma-se quase ao final do conto quando a protagonista compara seu atual estado com o estado de quando esteve grávida, dignificando sua existência. “Ai que se sentia tão bem, tão áspera, como se ainda tivesse a ter leite nas mamas, tão forte.”
Torna-se necessário, portanto, tomar consciência da especificidade da produção literária, quebrar as barreiras de classe, raça, gênero e nacionalidade. E é aqui que a questão do gênero se torna essencial. Num curso predominantemente feminino como o de Letras, se conseguirmos desmascarar o preconceito sexista que se esconde nos “valores” literários, teremos iniciado uma luta não só contra o patriarcado, mas contra todas as hierarquias sociais e culturais que permeiam nossas instituições de ensino. (FUNCK, p. 61)

Portanto não se deve considerar a questão do gênero na literatura irrelevante, como qualquer questão discriminatória, e de desigualdade em nossa sociedade. A literatura é um dos meios pelo qual pode-se consolidar e veicular valores, por isso deve ser observada de um ponto de vista critico que democratizaria as posições rebaixadas dentro da sociedade.

“Clarice de fato privilegiou as angústias e desejos próprios do universo feminino. Mas ela não pode ser considerada exatamente uma feminista. Não era de levantar bandeiras.” diz Teixeira em “O lado B de Clarice”. Apesar de não ter tomado partido algum, Clarice Lispector tem presente em sua obra a realidade da mulher de seu cotidiano, e faz inúmeras críticas a sociedade patriarcal enquanto escritora.


REFERÊNCIAS
CLARICE, Lispector. Laços de Família:Contos. Rio de Janeiro: Roxo, 1998.
DÜCK, Jackeline Peters. A Hora da Estrela e Senhor Diretor: Uma Leitura sob a Perspectiva de Gênero. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2010.
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo: Fatos e Mitos; tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1949.
LAGO, Mara Coelho de Souza. Refletindo sobre gênero a partir de textos freudianos. IN.: COSTA, C. L., CALDAS-COULTHARD, C. R., SCHMIDT, S. P., FUNCK, S. B., RAMOS, T. R. O., SOUTO-MAIOR, V. A., NUNES, Z. G., MUZART, Z. L. (Orgs.). Fazendo Gênero: Seminário de Estudos sobre a Mulher. Ponta Grossa: Universidade Estadual de Ponta Grossa, 1996.
FUNCK, Susana Bórneo. Gênero e Ensino da Literatura. IN.: COSTA, C. L., CALDAS-COULTHARD, C. R., SCHMIDT, S. P., FUNCK, S. B., RAMOS, T. R. O., SOUTO-MAIOR, V. A., NUNES, Z. G., MUZART, Z. L. (Orgs.). Fazendo Gênero: Seminário de Estudos sobre a Mulher. Ponta Grossa: Universidade Estadual de Ponta Grossa, 1996.
FIGUEIREDO, Débora de Carvalho. Sexualidade Feminina: Transformação e Crise nos Anos 90. IN.: COSTA, C. L., CALDAS-COULTHARD, C. R., SCHMIDT, S. P., FUNCK, S. B., RAMOS, T. R. O., SOUTO-MAIOR, V. A., NUNES, Z. G., MUZART, Z. L. (Orgs.). Fazendo Gênero: Seminário de Estudos sobre a Mulher. Ponta Grossa: Universidade Estadual de Ponta Grossa, 1996.
TEIXEIRA, Jerônimo. O Lado B de Clarice. Disponível em: http://veja.abril.com.br/060705/p_105.html Acesso em: 30 de outubro de 2011.