segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Grão

Era uma vez um homem descalço cansado de andar. Uma vez um homem cansado parou. Pra onde estava indo? Porque estava indo?
No jardim do outro lado da rua haviam jovens calçados cantando enquanto um outro tocava o violão. Lembrou que pouco antes perdera os sapatos.
Estava mais que nunca com os pés no chão. Tinha vergonha do tamanho do par mas naquela hora não ligava.
Estava também com a cabeça nas nuvens. Sentia como se não tivesse um passado. Muito menos o futuro ou mesmo um futuro. Qualquer que fosse. Apenas lembrara da perda do sapato.
Mal sabia que estava perdido.
Sentia o nó na garganta. Pensou que era criança e foi pisar no barro pós-chuva. O nó se foi. Ficou vazio ali, com aquele único sentimento de poder pisar numa quase lama, encheu o peito de qualquer coisa que nem sabia o nome mais.
Caminhou uns passos e sentou na rua escura, sozinho. Mais sozinho do que quando lembrava?
Olhou pro céu. Antes dele havia um par de tênis pequeninos amarrados num fio. Um cachorro latia desesperadamente.
Um gato caminhou charmosamente até o homem. Tinha os olhos de vilão. Apenas queria um carinho até a pontinha do rabo. O homem não estava sozinho.
O homem descalço sozinho, de novo. Sem futuro nem passado, respirava fundo, como se fosse deixar a onda passar por cima. Sentindo o mundo acontecer e mais nada. Por um segundo pensou nos sapatos e disse com a voz pequena: "se um dia encontrá-los, continuarei assim. Talvez eu os dê pra alguém que precise ou vou arranjar um jeito de amarrá-los num fio antes do céu."

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